sábado, 29 de junho de 2013

Era uma vez a democracia interna do PT

Quando tirei meu título de eleitor, em meados dos anos 1990, achei por bem filiar-me a um partido para ter uma atuação política mais efetiva. Tornei-me petista. E o que mais me impressionou era que o partido tinha um ambiente vivo de debate e atuação política, independente de ser ou não período de eleições. Logo que cheguei, perguntei pela próxima reunião e fui convidado para participar de uma discussão do Diretório Municipal - era uma cidade pequena. Ali, todos os presentes tinham voz, e o que mais impressionava era como um operário ou um líder comunitário poderia influenciar os rumos do partido. Saí do PT dois anos depois e, quando tentei voltar, já na eleição que levou Lula à presidência, isto já não era mais possível - talvez por isso eu esteja sem partido desde então.

Os anos 1990 foi o período que construiu o processo de transformação organizacional que levou o afastamento do PT de suas bases - e por consequência a onda de protestos que estamos vendo hoje, com a consequente queda de popularidade da presidente Dilma. Não preciso me alongar para dizer que o PT foi um partido construído de baixo para cima, mas talvez precisemos entender melhor o seu processo de burocratização. Parte da análise que faço aqui é vem do acúmulo de discussão da esquerda petista, mas as conclusões são diferentes, e vocês entenderão porque.

A grande novidade do final dos anos 1980 e início dos 1990 no cenário político brasileiro foi que o PT se tornou uma alternativa eleitoral viável, capaz de pelo menos polarizar uma eleição nacional. Muito da polarização semi-estúpida que testemunhamos nas mídias sociais entre petismo e anti-petismo foi gestada neste momento. Colocado como uma alternativa popular e de esquerda, o partido tornou-se um aglutinador daqueles que defendiam mudanças e, por outro lado, concentrou do outro lado o conservadorismo, tanto de elite quanto popular (e quem quiser saber mais recomendo este livro do André Singer).

Do ponto de vista organizacional, este fenômeno atraiu ao PT um conjunto de simpatizantes não necessariamente vinculado à luta social, mas a uma identificação difusa com uma pauta de mudança - ética na política, nacionalismo, politicas sociais e não muito mais que isso. Este conjunto de simpatizantes serviu de motor para um processo de consolidação de uma maioria na direção, por meio da formação de uma nova militância disciplinada e afastada dos debates internos. Isto se deu principalmente por meio da filiação em massa e da formação de chapas para a direção lideradas pelas principais figuras públicas do partido.

Para filiar-se ao PT, o sujeito deveria ter sua filiação aprovada por diretório municipal e contribuir anualmente com a legenda. Neste período, as aprovações de novos filiados passaram a ser quase automáticas, sem muita discussão. Por outro lado, o pagamento das contribuições, cada vez mais baixas e menos representativas nas finanças do partido, passou a ser feito no dia da eleição de delegados para os encontros estaduais e nacionais. Esta combinação de fatores desenvolveu uma massa de militantes acríticos, sem formação política e mobilizados apenas em períodos eleitorais. Nestes mesmos anos 1990 presenciei ônibus de filiados mobilizados para votar em determinadas chapas - inclusive da esquerda petista - e parlamentares "quitando" a contribuição do filiado para que ele pudesse votar.

Some-se a isso o acesso que o partido passou a ter a recursos com o crescimento de sua base parlamentar. A contribuição compulsória do parlamentar ao partido permitiu a formação de toda uma nova geração de burocratas, fundamentada nesta base de militantes amorfa. Ativistas novos incorporados a posições de liderança do partido conseguiam rapidamente um salário equivalente a R$ 4.500 em valores de hoje (R$ 1.500 atualizado pelo IPCA desde 1996) sem ter necessariamente qualificação profissional para encontrar um emprego similar no mercado de trabalho. O resultado foi o desenvolvimento de uma dependência financeira que foi aos poucos degenerando essa liderança.

Ao mesmo tempo, o partido precisava manter uma retórica de combate para manter aglutinada a militância e anular as críticas de esquerda petista quanto ao caminho que o partido estava tomando. Por isso, a tese mais coerente do ponto de vista da moderação programática que o PT estava imprimindo a si mesmo, Por uma Democracia Republicana, liderada por José Genoino, foi minoritária no Congresso do PT de 1999. A direção majoritária preferiu aprovar uma resolução fluida a favor do socialismo que aplacava os ânimos das correntes de esquerda, mas mantinha coesa a base partidária. Depois o grupo de Genoino uniu-se à maioria e formaram o Campo Majoritário, que comanda o partido até hoje, dessa forma que você está vendo.

A aprovação do Processo de Eleição Direta para a direção do partido e a eleição para o governo federal consolidou a burocratização. Os espaços de discussão passaram a ser cada vez restritos e desnecessários, as lideranças tornaram-se burocratas de governo. Os setores mais radicais da esquerda petista romperam e ajudaram a formar o PSOL. E formou-se aquilo que André Singer chamou de As Duas Almas do PT: um discurso moderado para fora, e um discurso radical indefinido para a base acrítica de militantes, mantendo-a mobilizada contra um suposto ataque das elites ao governo do povo.

O que estamos vendo agora, com um PT perplexo diante de manifestações que o questionam de frente, é efeito colateral deste processo. Afinal, a base disciplinada e que defende qualquer porcaria que o governo faça impede o partido de sentir o real pulso da situação política, e reduz sua capacidade de reação. São dez anos de governo, nos quais o partido se engessou e perdeu sua capacidade de criar. Paga agora o preço. Pelo menos nesta história eles não vivem felizes para sempre.

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