sexta-feira, 26 de julho de 2013

Conservadorismo à brasileira

De uns tempos pra cá a esquerda tem combatido duramente um monstro sem rosto, chamado conservadorismo. Se tem uma coisa que me faz desconfiar são essas palavras amorfas: conservador, elite, povo, progressista... Amorfas porque podem significar qualquer coisa. E, principalmente do ponto de vista da esquerda, porque são expressões sem um caro caráter de classe.

Explico: esquerda que se preza não luta contra o conservadorismo. Luta contra o capitalismo, um sistema econômico bem definido. Isso significa que a esquerda que se preza defende os interesses dos mais pobres e combate os ricos. Quando a conversa da esquerda sai da dicotomia rico x pobre, sem justificar por uma revisão teórica ou concessão tática, desconfio. Algo está errado.

Vejamos: qual o conteúdo desse conservadorismo tão atacado? Basicamente, uma pauta moral religiosa e um projeto de vida individualista. Ou seja, uma combinação da rejeição de comportamentos ditos imorais - drogas, aborto, casamento homossexual - e uma certa resistência a greves, especialmente de metrô, escola e posto de saúde. Bem em geral, superficialmente, é isso.

Agora a pergunta: qual a classe social que se encaixa no perfil acima? Se você respondeu "burguesia", errou. A burguesia brasileira não se caracteriza nem pela religiosidade nem por uma moral de cunho cristão. Sim, projetos de vida individualista são a praia deles. Mas não há resistência às drogas, ao aborto ou à liberdade sexual. Basta ler revista de fofoca.

Se responder "nenhuma", você estará igualmente errado. Na verdade, a descrição acima corresponde aos "batalhadores" de Jessé Souza. Neles, este perfil de conservadorismo é uma espécie de defesa contra as dificuldades da vida, que colocam o risco da miséria na ordem do dia.

Em tempos nos quais as favelas aplaudem um papa, fica uma provocação: em sua luta contra o conservadorismo, estaria a esquerda alinhada aos ricos para combater os pobres?

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Saúde

Têm razão os que dizem que os problemas da saúde pública no Brasil não se resumem à falta de médicos nas regiões de menor IDH. Têm razão os que dizem que os médicos são sim parte do problema.

A saúde pública universal custa caro, por três motivos: o alto preço da tecnologia médica, as liminares que obrigam o SUS a custear remédios caríssimos, e o custo do médico. No caso brasileiro, some-se a má gestão e a corrupção.

Desde a implantação do SUS em 1990, o sistema pouco têm evoluído. Institucionalmente as soluções estão lá. Mas na prática faltam as transferências federais, a tabela SUS não é reajustada, e o dinheiro que deveria ir para a atenção básica se perde em projetos propaganda: farmácia popular, Samu, Ame, Ama etc.

Mas sim, a oferta de médicos ajuda a piorar o problema. E isto começa na formação: uma das faculdades mais caras do país, o curso atrai uma elite social com elevado padrão de vida e raríssimas ocorrências de consciência social. Esta elite busca manter ou elevar seu padrão original, apostando na escolha de especialidades que melhor remuneram. O resultado são as distorções de mercado que vemos: falta de médicos nas redes básicas, atendimento decadente nos planos de saúde...

Diante deste cenário, o papel do Estado é corrigir as distorções. Abrir o mercado é uma iniciativa. Não resolve a saúde pública, mas ataca um de seus problemas estruturais. Falta atacar a qualidade da formação, fazendo valer o alto custo dos cursos para as famílias e o Estado.

Claro que nada é suficiente sem uma política estruturante para a Saúde, coisa que não vemos há mais de vinte anos, para atacar o déficit de gestão e a falta de transparência que permeia o sistema. A Saúde está tão prejudicada que falta até um caso municipal de sucesso, como é Foz do Iguaçu para a Educação. O que temos são ações pontuais, perdidas e isoladas.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Uma nova estrutura social

Este post inicia uma série de análises não sistemáticas sobre as diversas classes sociais do Brasil atual, e os seus impactos no modelo de desenvolvimento que teremos daqui para a frente

Desde o início das jornadas de junho, conhecidas como Revolta da Salada ou do Vinagre, entrou em debate sobre qual seria a "base social" deste novo movimento. O foco principal foi a classe média, alvo de críticas ou elogios baseados sempre em uma visões distorcidas e ideológicas, que pressupõe uma correlação mecânica e imediata entre renda e visão de mundo.

Fato é que estamos vivenciando nos últimos anos um profundo processo de reorganização social. Este processo não estaria relacionado apenas a políticas públicas, mas a uma combinação de reorganização das instituições econômicas e fortalecimento político das redes de proteção social. O que vou apontar aqui tem sido amplamente estudado por diversos autores:

  • Marcelo Neri, atual presidente do IPEA, estudou os padrões de mobilidade entre faixas de renda
  • André Singer tratou do realinhamento eleitoral que conduziu a base da pirâmide social para o apoio ao governo de esquerda
  • Bolivar Lamounier e Jessé Souza, com abordagens diferentes, trataram dos aspectos socioculturais da nova classe ascendente
  • Ruy Braga apresenta uma visão crítica do processo, apontando novas relações de precarização do trabalho
Aglutinando tudo o que estes caras dizem, temos que nos últimos anos toda uma população que sempre esteve afastada dos níveis mínimos de consumo e cidadania começou a melhorar de vida. É uma melhora pequena, mais relacionada ao crescimento da renda e do padrão de consumo, mas que abriu o leque de expectativas destas pessoas. Elas agora anseiam por mais - especialmente educação, que está diretamente relacionado à abertura de novas oportunidades de trabalho. Estes são a chamada "nova classe média" - concordo com Jessé Souza que esta classificação não condiz com a realidade, e melhor seria chamarmos de "nova classe trabalhadora".

A ascensão desta pessoas está relacionada a um padrão de desenvolvimento econômico que está se esgotando - expansão do consumo interno, estimulada pelo crédito acessível. Com a redução de ritmo desta ascensão, a pressão por acesso a melhores serviços públicos relacionados à oportunidades de trabalho - principalmente educação, saúde e transporte - tende a ser crescente. Ao mesmo tempo, buscam uma nova relação com o Estado, a política - do clientelismo pontual para satisfação de necessidade para uma visão do direito às condições básicas de sobrevivência - e a polícia.

Isso explica o apoio da maioria às manifestações, a crítica à repressão policial, e até o apoio popular ao plebiscito. No imaginário desta nova classe ascendente, o sucesso é resultado do esforço próprio. Jessé Souza aponta que esta população sobreviveu às margens da cidadania sempre às custas do trabalho duro e de um elevado nível de sacrifício - legitimado por uma rede de apoio familiar e uma consciência religiosa não apenas protestante/neopentecostal, mas também do catolicismo popular. Logo, ela não vê o bolsa família como um favor, mas um direito à sobrevivência. Por ser um direito, também não sente dívida de gratidão com este ou aquele político, mas quer influenciar o debate público, como fazem desde sempre as classes médias urbanas - liberais e conservadoras - e as elites.

Até agora, a expressão política desta nova classe é um enigma, justamente por ser novo. Ela já apoiou o petismo, mas vem dando trabalho desde 2010, quando as bandeiras programáticas do PT que afrontavam a sua consciência religiosa levou Dilma para o segundo turno. Fenômenos como Ratinho Jr em Curitiba e Russomanno em São Paulo são demonstrações de que este eleitorado quer uma expressão política para chamar de sua, que não seja nem o petismo nem a direita tradicional.

A expressão política desta população significará também qual será o drive de políticas públicas ao qual eles darão suporte. É difícil prever se eles darão suporte a uma versão tropical do Tatcherismo - como acredita Bolivar Lamounier - ou se buscarão herdeiros do lulismo de Singer, ou se vão atrás de uma terceira via. O que está claro são seus interesses: eles querem se afastar o máximo possível dos limites que separam a cidadania plena da vulnerabilidade social, situação em que viveram todos estes anos.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Dilma: Inocêncio III ou Bonifácio VIII

Depois de ouvir o pronunciamento da presidente Dilma, eu havia concluído que ela adotava a estratégia do papa Inocêncio III: dividir os insatisfeitos, atraindo os radicais e compondo com quem era possível compor.

Agora, duas semanas depois, Dilma parece mais com Bonifácio VIII, que viveu dois séculos depois. O momento dos dois papas era similar e a estratégia parecida. A diferença é que Bonifácio VIII fracassou.

O papa Bonifácio VIII tinha à sua frente o rei Felipe o Belo de França, um secularista de deixar Jean Willys e Leonardo Sakamoto no chinelo. No enfrentamento, o rei chegou a prender o papa, que só foi libertado por ação da nobreza romana.

A derrota de Bonifácio VIII significou a submissão da Igreja ao reino francês, com a transferência da sede papal para Avignon. Foi um período de crise para a fé católica, retratado no romance "O nome da Rosa", de Umberto Eco.

Neste momento Dilma se encontra tão acuada quanto Bonifácio VIII. Que o resultado não seja similar.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Plebiscito, referendo e o golpe dos fisiológicos

Após a reação perplexa dos políticos à invasão das ruas no Brasil, que os levou a votar alguns projetos contra si próprios, começa-se a se articular um golpe que se pretende contra a Dilma, mas que na verdade é contra eu e você. O golpe se iniciou no recuo da proposta de Constituinte para a reforma política, e vai ganhando a forma do esvaziamento do processo plebiscitário.

Senão vejamos: hoje o Painel Político da Folha de S. Paulo nos informa que o presidente da Câmara propõe uma alternativa ao plebiscito proposto pelo governo: uma comissão que elabore uma proposta a ser submetida a referendo em 2014. Um enrolation.

Não que o plebiscito da presidente seja algo excelente. A cada dia que passa fica claro que a proposta do governo deve se reduzir a uma consulta sobre voto em lista e financiamento público de campanha. Duas medidas que, sozinhas, podem tornar nosso ambiente institucional menos democrático ainda.

O que eles estão fazendo é ganhando tempo, enquanto se protegem do povo em estado de alerta. Querem reduzir suas concessões ao mínimo, enquanto esperam a poeira baixar. Nisto se junta a oposição, o governo, os fisiológicos e até o probo juiz Gilmar Mendes, o BFF do Daniel Dantas.

Para quem foi às ruas porque não se sente representado por ninguém que aí está, o que interessa é um amplo processo de mudança institucional. Uma vez que a Constituinte perdeu fôlego, que seja um processo plebiscitário, mas com o máximo de tópicos possível. Caso contrário, estaremos reclamando de falta de representatividade por muito tempo ainda.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Corrigindo o rumo

Para informação geral: uma vez que o processo democrático desencadeado em junho vai encontrando seu rumo normal, entendo que as postagens diárias sobre o tema tornam-se desnecessárias. Voltaremos ao tema sempre que necessário, mas estou pensando em produzir outros conteúdos, mais ligados ao desenvolvimento do Brasil.