segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O impacto dos cortes orçamentários do governo

Hoje o ministério do planejamento apresentou o detalhamento dos cortes de gasto promovidos pela administração federal. Do ponto de vista do impacto macroeconômico, o montante de R$ 50 bilhões cortados (3% do orçamento) representa um esfriamento residual da atividade econômica (de 4,5% para 3,1%, se o ritmo do restante da economia permanecer constante). Do ponto de vista do desenvolvimento, o impacto do corte depende de outras variáveis:

  • Como disse em post anterior, cortar gastos em cenário de crescimento é menos prejudicial que cortá-los em cenário de recessão. O orçamento final, após o corte, ainda é 7% superior ao de 2010.
  • O corte atinge áreas do custeio que tiveram forte expansão no governo Lula, como gastos com pessoal. Neste contexto, eles acontecem em um período em que a demanda reprimida por mais concursos públicos e aumentos salariais é menor, causando menos prejuízo à qualidade do serviço público. Este montante representa R$ 15 bi, ou 30% do corte
  • Do ponto de vista do investimento, os mais perigosos foram os cortes no orçamento das cidades (Minha Casa, Minha Vida) e Esportes (Copa e Olímpiada). A Defesa, responsável pelos aeroportos, também sofreu cortes pesados
  • Chama a atenção o corte de gastos na Educação, especialmente focado nas Universidades. Isto vai implicar atrasos em contratação de professores e uma parada no Reuni.
Concluíndo, o que mais preocupa destes cortes é o seu impacto em investimentos, alguns estratégicos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Corte no orçamento e crescimento: é possível?

O governo brasileiro anunciou na semana passada um corte de R$ 50 bilhões no orçamento público. De lá para cá tenho ouvido comentários que relembram os mais perigosos fantasmas do passado, como inflação e recessão. Tem fundamento, afinal a última vez que o governo anunciou um corte de gastos desta forma foi em 2003, durante o rescaldo da crise cambial ocorrida em torno da eleição de Lula.
Contudo, tenho ouvido a tudo com certa desconfiança. Afinal, houve "gastança" em 2010? Estamos na mesma situação da Europa, que enfrenta duras crises fiscais? O que nos espera é a recessão?
Já expliquei em post anterior que cortas gasto público em ano de crescimento pode até desalecerá-lo, mas não significa recessão, e até é mais virtuoso que cortar gastos durante uma crise. Foi isso que fizemos na crise da dívida, no segundo mandato de FHC e em 2003. Agora o governo reduz o orçamento em um ano que se prevê crescimento, ou seja, quando se prevê uma maior arrecadação.
Mas este corte tem a ver com um outro universo, que todo mundo acompanha no jornal e ninguém entende: políticas macroeconômicas. Existem três grandes grupos de políticas macroeconômicas:

  • Política cambial: controles que o governo impõe, ou deixa de fazê-lo, sobre o câmbio, isto é, o preço que pagamos em reais pelas moedas estrangeiras. No Brasil, que vive um regime de câmbio flutuante, quase não há este controle. Digo quase porque existem as intervenções periódicas do Banco Central quando há forte oscilação - nos últimos anos tem sido feito por meio de swaps cambiais reversos -, os impostos sobre investimento estrangeiro e a substituição da dívida em moeda estrangeira por moeda local.
  • Política monetária: diz respeito ao controle sobre a quantidade de moeda em circulação. No mundo em que vivemos, isto significa crédito. E política de crédito significa principalmente - mas não só - taxas de juros. Isto inclui não só as reuniões do Copom, mas o controle sobre o depósito compulsório e regulamentações como a do crédito consignado ou a definição da taxa de juros de longo prazo.
  • Política fiscal: trata do estímulo (ou desestímulo) que se dá à economia por meio da arrecadação de tributos ou do gasto público. Podem ser tanto medidas de isenção fiscal quanto elevação ou redução de gasto público.
No Brasil, desde 1999 a inflação é controlada principalmente pelo chamado "sistema de metas de inflação", ou seja, o Banco Central recebe do Conselho Monetário Nacional uma meta de inflação para o ano e, para atingi-la, ajusta a taxa de juros de curto prazo dos títulos públicos (conhecida como taxa Selic) para cima ou para baixo. Principalmente porque, em 2005 e 2006, a forte queda do câmbio ajudou a amortecer a inflação, com impacto positivo nos chamados "preços administrados" (água, luz, pedágio, aluguéis e outros preços que tem reajuste anual definido em algum grau por um dos índices de inflação). Isto fez com que a taxa de juros caísse de um pico de 19,75% em 2005 para 13,75% em 2006.
Vamos entender os fatores que afetam o cenário macroeconômico atual:
  • A inflação ameaça subir por conta da alta dos preços de alimentos, impulsionada principalmente pela conjuntura internacional
  • Por conta da recessão internacional, os mercados da Europa e dos Estados Unidos estão pagando taxas de juro zero. Com isto, o mercado brasileiro de crédito tornou-se muito atrativo para o capital internacional ao pagar mais de 10% ao ano.
  • O descompasso entre a taxa de juro brasileira e a internacional fez com que o Brasil recebesse um volume elevado de dólares, pressionando para baixo o câmbio, que chegou perto de R$ 1,5. As exportações em 2010 subiram 26,5%. Ou seja, diferente de 2005, não havia espaço para usar o câmbio para regular a inflação, sob pena de tornar as exportações brasileiras menos competitivas

Ou seja, iniciamos 2011 em uma armadilha macroeconômica. Manter o mecanismo do sistema de metas para controlar a inflação poderia fazer o país atrair mais dólares, tendo assim um forte efeito recessivo. Portanto, era necessário adotar um mecanismo capaz de reduzir ao mesmo tempo a inflação e os juros.
Este mecanismo é a política fiscal restritiva. Com o corte de gastos públicos, o governo diminui a atividade econômica, reduzindo a demanda por bens de consumo e, consequentemente, a inflação. Ao mesmo tempo, diminui a necessidade de financiamento do gasto público, abrindo espaço no médio prazo para o governo pagar menos pela sua dívida, ou seja, reduzir os juros. Desta forma, no longo prazo podemos ter estabilidade ou até uma melhora na taxa de câmbio, fazendo com que as exportações se mantenham mais ou menos competitivas (afinal, isto varia de setor para setor)
E o crescimento? Se o governo mantiver sua promessa de não reduzir os investimentos, isto favorece o ambiente de negócios, assegurando o crescimento no médio e longo prazos. Vamos ver como será.