domingo, 30 de junho de 2013

As manifestações e a Economia

Este blog foi criado para falar de economia. Ficou esquecido por dois anos porque ninguém liga para economia. E foi retomado porque precisava externar uma reflexão sobre este grande sacolejo que o Brasil está passando, e que tem a ver com mais de dez anos de reflexão. E agora acho que cabe falar da relação entre democracia, as manifestações que estamos vendo e a Economia.

Basicamente, boa parte do debate sobre democracia e desenvolvimento econômico se divide entre duas correntes, aqui apresentadas de forma bem genérica:

  • Um pessoal da chamada economia neoclássica costuma identificar uma relação direta entre democracia e livre mercado. Hellen Milner, da Universidade de Princeton, chegou a produzir uma interessante revisão bibliográfica que aponta a existência desta correlação na teoria, mas não em pesquisa empírica. Contudo, este é um ponto de vista forte na ortodoxia econômica e não deve ser desprezado. Quem quiser ver uma versão pós-crise de 2008 desta corrente, leia O fim do livre mercado, de Ian Bremmer.
  • No outro extremo autores desenvolvimentistas costumam dizer que pelo contrário, a democracia pode atrapalhar o desenvolvimento econômico de países subdesenvolvidos. Alice Amsden, do MIT, chegava a interpretar o crescimento no Sudeste Asiático como resultado da imposição de uma disciplina sobre o empresariado local por meio do Estado - expressa em trabalhos interessantes como A Ascenção do "Resto". Outro autor defensor de abordagem similar é Ha-Joon Chang, um economista coreano autor de textos sobre desenvolvimento como Chutando a Escada e Os Maus Samaritanos.
Mais recentemente uma outra corrente vem ganhando força no debate sobre a correlação entre democracia e desenvolvimento. Com base na teoria de Schumpeter e na modelagem da teoria dos jogos, entre outras referências, autores como Douglass North, Amartya Sen e Joseph Stiglitz - todos Prêmios Nobel em Economia - vem trabalhando a relação entre instituições e desenvolvimento. Para estes, as instituições do mercado são moldadas com base em uma "barganha cooperativa" entre os setores da sociedade com maior poder de fato em mãos. Logo, o mercado em uma dada sociedade reflete não a alocação mais eficiente de recursos conforme a teoria neoclássica, mas a maximização dos ganhos destes setores mais poderosos. Neste sentido, a democracia, por diluir o poder entre diversos agentes da sociedade, levaria este processo de barganha a um nível mais próximo do mercado eficiente.

Nesta linha, um trabalho bem simples de entender e que, ao meu ver, amarra bem este raciocínio é o livro Por que as Nações Fracassam, de Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard). Para eles, mais importante do que a existência ou não de mercados eficientes, o desenvolvimento de um país está relacionado a quão inclusivas são as instituições econômicas e políticas deste país. Instituições inclusivas seriam aquelas que permitem o acesso a determinados direitos econômicos a um amplo conjunto de cidadãos, e não a uns poucos magnatas. Instituições extrativas, por sua vez, submetem toda a economia ao interesse de alguns poucos beneficiados. Neste caso, a economia não avança e a população é pobre. No outro, como a criatividade e a iniciativa são protegidas e premiadas, o país avança e a população enriquece.

O mais interessante no modelo de Acemoglu e Robinson é que para eles instituições inclusivas não são construídas da noite para o dia, mas se desenvolvem por meio de um longo "círculo virtuoso da inclusividade". Este processo se desencadeia quando, em uma determinada conjuntura crítica que provoca uma mudança institucional - por exemplo, uma Revolução - estabelece-se uma situação de equilíbrio de poder na sociedade por meio do qual um grupo não consegue impor sozinho sua vontade sobre os demais. A partir daí, a sociedade passa a tomar medidas para se proteger sempre que um engraçadinho tenta tirar proveito dos outros. Na reação da sociedade a cada avanço - de grupos empresariais, políticos, sindicatos etc. - as instituições se tornam mais e mais inclusivas.

Penso - e isto foi uma descoberta interessante que fiz durante o mestrado e estou tentando explorar melhor no doutorado - que vivenciamos um círculo virtuoso de inclusividade no Brasil desde o fim da ditadura militar. Desde este momento, atores sociais vem interferindo no debate político de forma a assegurar que a pauta do momento seja levada a cabo, mas dentro de certos limites. Assim foi com o combate à inflação: a sociedade deu apoio a uma agenda liberal voltada à estabilização, mas houve resistência contra determinadas medidas arriscadas, como a privatização da Petrobras e a proposta de reforma trabalhista de Fernando Henrique. O mesmo aconteceu com o governo Lula: a sociedade demandou a distribuição de renda, mas vem resistindo a que se coloque a estabilidade em risco. E quem disse isso antes de mim foi o Instituto Brasileiro de Economia, da FGV, em uma de suas cartas.

Quando os manifestantes foram às ruas contra o aumento da passagem do transporte público, muitos viram o curto prazo, e chamaram qualquer revogação do aumento de populismo. Olhando no longo prazo, isto pode representar uma barreira de proteção sobre o orçamento público, para que não se privilegie tanto desonerações que interessam ao grande capital em detrimento dos serviços sociais. E a alocação dos royalties do petróleo na educação e na saúde também pode ter resultados benéficos no desenvolvimento futuro do Brasil.

Ainda que nos frustremos com o curto prazo, imagino que o que estamos vendo agora nos ajudará a ser um país melhor no longo prazo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário