segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Sobre protecionismo, câmbio e o mercado

De sexta a hoje (19/9), recebemos algumas notícias preocupantes no que diz respeito ao setor externo da economia:

  • O governo brasileiro elevou o IPI de veículos que tivessem índice de nacionalização inferior a 65%
  • Consulta do governo brasileiro à OMC para criação de mecanismos de compensação para perdas de competitividade relacionadas à variação cambial - ou seja, se a moeda valorizou, aumenta-se tarifa
  • Projeções do mercado (boletim Focus) de que haverá alta da inflação e crescimento menor do PIB
  • Dólar bateu em R$ 1,77 (ainda bem que já importei meus livros sobre modelos de escolha racional)
São todas notícias relacionadas ao cenário de incerteza mundial, com seus impactos na economia brasileira. No conjunto, manifestam duas tendências preocupantes em relação aos policymakers e aos agentes de mercado:

  • Policymakers: as autoridades brasileiras estão manifestando um pendor protecionista sem igual desde a gestão de Delfim Netto. Isso preocupa. Uma coisa é cautela, outra é inserir uma cláusula protecionista direcionada a um setor econômico poderoso como o automotivo. Nesta medida, a única boa notícia é a exclusão do Mercosul e do México nas barreiras. A consulta à OMC não seria um problema em si, não fossem as outras medidas protecionistas adotadas.
  • Mercado: eles resolveram estressar a política monetária. As projeções do Focus e a alta do dólar apontam na mesma direção. Para os investidores em moeda estrangeira, que lucram com os juros e com a desvalorização (um investidor que aplicasse US$ 100 em 16/9/2010 teria um ano depois 11,8% de ganho, contra 11,4% de quem aplicou em real), uma política monetária menos restritiva significa perda de ganhos. Na recente desvalorização do real, investidores em dólar tiveram 12% de perda.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Sobre inflação, juros, câmbio e a decisão do BC

Os economistas ligados ao mercado financeiro estão em polvorosa com a decisão de ontem do Banco Central, de reduzir os juros Selic em 0,5 ponto percentual. Neste alvoroço, pouco importa se são neoliberais, keynesianos ou estruturalistas: Luís Carlos Mendonça de Barros e Gustavo Loyola estão do mesmo lado. Qual a acusação: o Banco Central deixou de ser independente. Qual o motivo: reduziu a taxa de juros. Esta decisão era prevista desde a semana passada, e surpreende o alvoroço em torno dela. Quando, no entanto, vemos que os críticos mantém conexões com o mercado financeiro, as razões da crítica tornam-se mais evidentes.
Vamos primeiro avaliar se a crítica procede. Na segunda-feira, o governo anunciou um aperto fiscal, ampliando a meta de superávit primário, alegando ser uma medida para conter pressões inflacionárias. Na quarta o BC reduziu os juros, alegando que haverá alívio das pressões inflacionárias. Os dois lados têm razão.
O governo tradicionalmente conta com dois instrumentos para contenção da inflação: política monetária e política fiscal. Cada um contém determinadas pressões de demanda, seja pela restrição de crédito (monetária), seja pela restrição do gasto público (fiscal). Contudo, elas causam impactos diferentes no câmbio. Uma política monetária restritiva, pela alta de juros, atrai dólares, e pressiona o câmbio para baixo. Uma política fiscal restritiva, por sua vez, tem em geral impacto nulo sobre o câmbio. A opção do governo brasileiro foi pela contenção que não afeta o câmbio. Do ponto de vista da economia real, fez certo.
Ora, por que então o alvoroço? Porque o investidor internacional que investe em reais ganhou duas vezes nos processos de valorização cambial: ganhou com o retorno do investimento e com a valorização do real. Se alguém investiu US$ 100 em títulos em reais a juro zero em 31 de agosto de 2010 e realizou o investimento um ano depois, recebeu US$ 10,58 só com a valorização do câmbio. Ao optar por não mexer no câmbio, o governo diz ao mercado financeiro que os ganhos com a valorização acabaram.
Entendeu?