sexta-feira, 21 de junho de 2013

Dilma e a estratégia de Inocêncio III

Um velho amigo e companheiro militante tinha uma frase que resumia toda e qualquer avaliação de conjuntura: política é resultado. Logo, uma estratégia é boa e ruim se por ela se atingem bons resultados. Por isso, toda e qualquer avaliação do discurso da presidente neste momento é arriscada, porque os resultados não são conhecidos. O que podemos é identificar qual foi a abordagem da presidente e onde ela pretensamente quis chegar.


Optar por um pronunciamento à nação é uma estratégia arriscada. Fernando Collor afundou após um pronunciamento mal pesado e mal medido, considerando a conjuntura naquele momento. Collor optou por conclamar seus apoiadores contra quem pedia o impeachment. Se deu mal.

Dilma fez outra escolha. Ela optou pela estratégia do papa Inocêncio III - que de inocente não tinha nada. O cardeal Lotário de Segni foi eleito papa em um momento crítico da história da cristandade. Movimentos camponeses varriam a Europa condenando o arbítrio dos nobres, a riqueza da burguesia nascente e o poder da Igreja. O Sacro Império Romano Germânico estava dividido entre guelfos, burgueses defensores do primado papal, e guibelinos, nobres alinhados ao imperador alemão. E heresias se misturavam a movimentos que defendiam a reforma da Igreja.

Inocêncio optou por uma estratégia de dividir os conflagrados entre quem estava disposto a compor com Roma e quem não tinha acordo possível. De um lado, reformadores pacíficos como Francisco de Assis e Domingos de Gusmão, que defendiam uma Igreja mais pobre e voltada aos necessitados das cidades. Do outro, grupos hereges como os valdenses e os albigenses.

Dilma está tentando adotar a mesma estratégia, e explorar a heterogeneidade dos manifestantes. Por um lado, condenou o vandalismo com palavras fortes como "arruaceiros" e os setores mais à direita do movimento, que criticam os partidos e pedem o impeachment. Por outro, chamou o movimento passe livre para conversar sobre uma reforma estrutural mais ampla do transporte público nacional.

Os elementos para esta estratégia foram dados pelas redes sociais no decorrer do dia, com setores do movimento acusando os grupos de direita que se uniram às passeatas de fascismo. Desta forma, conformaram-se os dois polos que permitiriam à presidente identificar quem deve ser atraído e quem deve ser combatido. Aqueles que estão criticando o discurso da presidente, pelo menos no que eu vi até agora, são aqueles que ela não esperava atrair para o seu lado.

Entre os indefinidos, a presidente tentou se utilizar da memória da suposta "faxina ética" promovida no primeiro ano de governo para se afirmar como alguém que não tolera corrupção nem mau uso dos gastos públicos. Aliás, fazia tempo que a presidente não apelava a estes discursos.

A presidente também passou alguns recados a quem estava dominando a pauta antes das mobilizações. Afirmou que a cidadania deve ser ouvida antes dos interesses do poder econômico - uma clara referência às disputas de lobbys que afetaram o andamento das MPs dos Portos e das tarifas de energia e aos críticos da sua política econômica - e afirmou que é preciso "oxigenar o sistema político", uma indireta aos partidos da base que tem nos últimos dois anos elevaram o nível da fisiologia.

Por fim, dois pontos: (1) ao dizer que os recursos gastos na construção dos estádios da Copa são de financiamento, a presidente tenta afastar a ideia de que o país está gastando recursos que poderiam ser direcionados a serviços públicos como saúde e educação. E (2) faltou para completar uma reforma ministerial que reduzisse o número de ministério e afastasse os fisiológicos. Esta é uma iniciativa que a presidente precisa fazer logo, para completar o recado dado.

Vai dar certo? Os próximos dias dirão.

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