terça-feira, 9 de julho de 2013

Uma nova estrutura social

Este post inicia uma série de análises não sistemáticas sobre as diversas classes sociais do Brasil atual, e os seus impactos no modelo de desenvolvimento que teremos daqui para a frente

Desde o início das jornadas de junho, conhecidas como Revolta da Salada ou do Vinagre, entrou em debate sobre qual seria a "base social" deste novo movimento. O foco principal foi a classe média, alvo de críticas ou elogios baseados sempre em uma visões distorcidas e ideológicas, que pressupõe uma correlação mecânica e imediata entre renda e visão de mundo.

Fato é que estamos vivenciando nos últimos anos um profundo processo de reorganização social. Este processo não estaria relacionado apenas a políticas públicas, mas a uma combinação de reorganização das instituições econômicas e fortalecimento político das redes de proteção social. O que vou apontar aqui tem sido amplamente estudado por diversos autores:

  • Marcelo Neri, atual presidente do IPEA, estudou os padrões de mobilidade entre faixas de renda
  • André Singer tratou do realinhamento eleitoral que conduziu a base da pirâmide social para o apoio ao governo de esquerda
  • Bolivar Lamounier e Jessé Souza, com abordagens diferentes, trataram dos aspectos socioculturais da nova classe ascendente
  • Ruy Braga apresenta uma visão crítica do processo, apontando novas relações de precarização do trabalho
Aglutinando tudo o que estes caras dizem, temos que nos últimos anos toda uma população que sempre esteve afastada dos níveis mínimos de consumo e cidadania começou a melhorar de vida. É uma melhora pequena, mais relacionada ao crescimento da renda e do padrão de consumo, mas que abriu o leque de expectativas destas pessoas. Elas agora anseiam por mais - especialmente educação, que está diretamente relacionado à abertura de novas oportunidades de trabalho. Estes são a chamada "nova classe média" - concordo com Jessé Souza que esta classificação não condiz com a realidade, e melhor seria chamarmos de "nova classe trabalhadora".

A ascensão desta pessoas está relacionada a um padrão de desenvolvimento econômico que está se esgotando - expansão do consumo interno, estimulada pelo crédito acessível. Com a redução de ritmo desta ascensão, a pressão por acesso a melhores serviços públicos relacionados à oportunidades de trabalho - principalmente educação, saúde e transporte - tende a ser crescente. Ao mesmo tempo, buscam uma nova relação com o Estado, a política - do clientelismo pontual para satisfação de necessidade para uma visão do direito às condições básicas de sobrevivência - e a polícia.

Isso explica o apoio da maioria às manifestações, a crítica à repressão policial, e até o apoio popular ao plebiscito. No imaginário desta nova classe ascendente, o sucesso é resultado do esforço próprio. Jessé Souza aponta que esta população sobreviveu às margens da cidadania sempre às custas do trabalho duro e de um elevado nível de sacrifício - legitimado por uma rede de apoio familiar e uma consciência religiosa não apenas protestante/neopentecostal, mas também do catolicismo popular. Logo, ela não vê o bolsa família como um favor, mas um direito à sobrevivência. Por ser um direito, também não sente dívida de gratidão com este ou aquele político, mas quer influenciar o debate público, como fazem desde sempre as classes médias urbanas - liberais e conservadoras - e as elites.

Até agora, a expressão política desta nova classe é um enigma, justamente por ser novo. Ela já apoiou o petismo, mas vem dando trabalho desde 2010, quando as bandeiras programáticas do PT que afrontavam a sua consciência religiosa levou Dilma para o segundo turno. Fenômenos como Ratinho Jr em Curitiba e Russomanno em São Paulo são demonstrações de que este eleitorado quer uma expressão política para chamar de sua, que não seja nem o petismo nem a direita tradicional.

A expressão política desta população significará também qual será o drive de políticas públicas ao qual eles darão suporte. É difícil prever se eles darão suporte a uma versão tropical do Tatcherismo - como acredita Bolivar Lamounier - ou se buscarão herdeiros do lulismo de Singer, ou se vão atrás de uma terceira via. O que está claro são seus interesses: eles querem se afastar o máximo possível dos limites que separam a cidadania plena da vulnerabilidade social, situação em que viveram todos estes anos.

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